Era um bi-motor, daqueles com hélices dos dois lados e não muito pequeno. Acho que dava pra umas 20 pessoas. Ia subindo a subida do antigo sanatório, sentido araraquara, lá pelas 10 da manhã. Eu fiquei pensando como um avião daquele tamanho podia trafegar por aquela rodovia...
Ia a meia potência, acho que ums 60 ou 80 por hora e agora passava pelos eucaliptos do velho hospital.
Não havia divisão para a cabina do piloto e os passageiros podiam ver o para-brisa e o maquinário de controle.Na primeira poltrona estavam Dorival Caymi e Jorge Amado. Tinha várias poltronas vazias e cada dupla de poltrona a seguir tinha só um ocupante. Não conhecia todos, mas sabia que eram igualmente famosos, todos anciãos, uns de chapéuzinho rui-chapéu, terno de risca, etc. Tava lá Orlando Silva e mais pro fundo estavam de um lado Sílvio Caldas e um tal de Chico alguma coisa do outro, que era parceiro de composições de quase todos os presentes, na maioria cantores. Ia batendo papo com ele, um velhinho muito simpático, que ia me contando sobre suas parcerias, cantando alguns famosos refrãos. Eu não conhecia quase nenhum, mas alguns sim, eram bem famosos. Até cantarolei com o Chico aquele que ficou famoso nos 80 com a voz da Elba Ramalho... como é mesmo ? lá lariláiá...
Xa pra lá, o avião seguia pela estradinha, que naquela época ainda não tinha sido duplicada e não tinha radar de controle de velocidade. Eu ficava encafifado... Aquelas asas, não poderia passar nenhum carro vindo de araraquara senão ia dar merda... Mas que nada, já passávamos pela AABB e eu falei pro motorista que eu ia descer ali na rota 81, ia ver minha vó Dida, aliás, falei virando pro Chico, ela adora essas músicas e é muito fã do Sílvio Caldas, que na hora me olhou com uma cara de galã. Usava aquele cabelo penteado para trás, cheio de pomada.
Só sei que quando fui descer ali no ponto da rota, o Chico resolveu fazer uma surpresa pra Didinha e ir presenteá-la com sua visita, disse que poderia cantar algumas de suas parcerias com Sílvio. Achei o máximo, ia ser um super legal pra Vó. Toda hora eu chamava o velhinho de Chico Xavier, e ele me corrigia e falava o nome dele que não me lembro nem a pau agora. Andamos até o portão da chácara e quando o Niu me viu ja abanou aquele rabão. Quem ficava latindo pro Chico eram Brigite, Tula e Teca. Depois de tanto tempo me reconheceram, e olha que faziam mais de 20 anos que não brincava com elas.
Lá da lavanderia a Vó Dida balançava a mão pra gente. Tava de calça jeans cortada abaixo do joelho, camiseta branca com alguma estampa desbotada e pé no chão. Acho que tava lavando os lençóis quando chegamos. Dei aquele abraço nela, demorado... Senti o cheiro do suor dela, da sua pele oleosa, quem ja abraçou sabe oque eu to falando. Ela me chamou de meu minino e ficou olhando pra mim com aquela cara dela, com aquela risadinha. Sabia que estava feliz em me ver, e me perguntou porque que eu tinha ido morar tão longe na Bahia.
Apresentei o Chico, mas ela ficou meio desconfiada, falei que ele era parceiro do Orlando Silva e ele, levando na esportiva, começou a cantar um verso.
Então a Didinha nos convidou pra entrar, que ia passar um café e perguntou pro Chico (Ela também chamou ele de Xavier...) se ele queria uma pinguinha.
Quando entramos, a casa mudou. Não estavamos mais na chácara, e sim na casa da Vó Ia e quem tava passando o café era a Vó Ia. Que coisa ! Ela tava toda animada com o Chico, dava aquela risada gostosa dela e cantarolava algumas músicas da parceria dele com Caymi. "E aquela ein seu Chico Xavier, ahahahhaha". Ficamos cantando por alguns minutos antes dessa nuvem doida se desfazer. Não me lembro se acordei logo ou se na sequência vieram outros sonhos malucos antes de acordar e encher a banheira para mais um dia de trampo aqui na Indonésia.
No caminho paguei tipo um pedágio pros puliça pra por não ter licença pra dirigir (suborno mesmo) e fiquei sem grana pra mais nada. No pico de surf, rolando altas ondas no fim de tarde, coisa de cinema, tem q descer pela "Cave" pra chegar no mar e remar pras ondas. Amanhã pretendo surfar lá pela manhã. 
